JUCA AMARAL
João Carlos
Chamava-se João Amaral da Silva, por todos conhecido como Juca Amaral, personalidade de proa na sociedade matinhense, o principal responsável pela emancipação do município. Recebeu o título de Tenente, naqueles tempos em que era comum comprar-se um.
Foi a peça mais importante da formação da cidade que hoje chamamos Matinha, chegando inclusive a adquirir uma caneta de ouro, apenas para a assinatura do ato de emancipação. Não ficou muito querido em Viana, a cidade mãe, onde muitos logicamente não desejavam que houvesse o ato emancipatório. Tio Juquinha, ou Papai Juquinha, como era por nós carinhosamente apelidado, mansamente e sem pena, foi gastando do seu dinheiro, suas posses, para que nossa cidade se libertasse do jugo vianense.
Nossa geração já o viu septuagenário ou octogenário. Era comum brincarmos em baixo do seu sobrado, na frente ou no quintal da fábrica de pilar arroz, andar no seu velho caminhão, ainda a manivela, viajando na carroceria, indo até Bom Jesus, sentindo calafrios ao atravessar aquela mata, tão cheia de mistérios, e sombria, dando uma parada obrigatória no igarapé da Água Comprida, para banharmos nas poças d’água que ficavam depois do inverno, ou ainda tomar garapa no engenho de Costinha, em Belas Águas. O velho calhambeque dirigido por Faustino Manceta, bem jovem, mas já motorista. Sua figura franzina, magrinha, esguia, porém rija, era vista quando brincávamos na rua, montado em sua burra estradeira, alforjes ao lado da cela de couro cru, facão na cintura, chapéu na cabeça, vindo das suas terras no Bom Jesus. Até hoje sonho com o casarão onde ele morava, sua imagem austera na janela, nos trazia um misto de medo e carinho. A primeira televisão da cidade foi dele, saiamos em procissão, todas as noites para assistir novelas, o jornal. Vê-lo sentado naquela cadeira de balanço de macarrão, balançando-se pra lá e pra cá, dava-nos a dimensão do pleno poder que exercia.
Era irmão de vovó Lola, e morávamos em frente ao casarão. Nunca teve filhos com sua esposa Titinha. Compensou essa deficiência, adotando várias pessoas. Sua capacidade financeira e seu coração sem tamanho, assim o permitiram: Tio Ademar, Nonato, Sônia, Dona Nhadica, Seu Chico, chamado quatrolho, Raimundinho, (Barata), Domingos de Vinoca, Ananias D. Cleri, foram tantos, não lembro todos. Era comum vê-los entrando e saindo da sua casa, o sobradão, ajudando a ele e a esposa nos afazeres domésticos diários, ou mesmo trazendo coisas pro seu deleite. Foi o segundo prefeito eleito de Matinha, (pois o primeiro, Manoel Antônio Silva, – o Mané Silva-, foi escolhido indiretamente), logo após o mandato de Aniceto Mariano Costa.
Inesquecível aquele tempo, da infância, as brincadeiras que fazíamos na entrada do jardim do casarão, as subidas e descidas na escadaria de madeira, sempre correndo, o quintal, cheio de estrume de gado, com seu cheiro característico, o galpão onde ficava o caminhão, o ronco deste quando era acionado pela manivela, a retirada quase constante da gasolina em seu afogador, a oficina de Nonato, as teias de aranha no fundo das escadas, a ginjeira, ao lado do pilador de arroz, o pé de coco altíssimo, isolado no quintal, quase sem arvores, ao lado do poço profundo, cercado de tijolos nus, poial alto, com jejus e um jurará passeando na superfície das aguas.
Teve, na minha modesta opinião, – numa época em que era muito fácil ser coronel-, o altruísmo de aceitar que novas lideranças nascessem dentro do grupo político do qual era o mentor e chefe, abdicando normalmente em prol dos novos, não reivindicou outros mandatos. Nas eleições, ele que recebera em sua casa lideranças do naipe do Governador Saturnino Bello, (Cara de Onça), Afonso Matos, o deputado responsável pelo projeto de transformar a povoação em cidade, e até mesmo Ademar de Barros, candidato a presidente, dentre tantos, que vinham de avião direto pra ouvi-lo, ou ter seu apoio político, conformava-se em vê a luta dos correligionários do alto da sua casa, numa atitude digna, e atualmente impossível de observar.